segunda-feira, outubro 23, 2006

Ser Mulher

Ser mulher é, antes de abrir os olhos, já imaginar o dia. É levantar da cama com a preocupação de ter uma hora e meia para um bom café da manhã, tomar um bom banho, colocar lentes de contato, fazer maquiagem, escolher a roupa, o sapato, a bolsa. Tudo em nome da vaidade

Ser mulher é ter que carregar uma nécessaire que tenha desde pinça até absorvente, de batom até band-aid. É ter que carregar tudo isso dentro de uma bolsa média que também seja bonita e que combine com a roupa.

Mas se “Ser Mulher” fosse somente se preocupar com essas coisas, que num dia qualquer você pode deixar tudo em casa e sair sem se preocupar, seria tudo muito diferente.

Ser mulher é mais que isso.

Ser mulher é ter de sair pra trabalhar com a preocupação de chegar cedo, mas mesmo assim, não deixar que a cólica menstrual estrague seu dia. É ter de lidar com as cólicas, as espinhas e a TPM por pelo menos até os 45 anos. É ter de lidar com um fatídico absorvente, distraidamente mal colocado, que pode, no meio do caminho, causar uma catástrofe e que pode fazer você acabar tendo que voltar pra casa. É ter de ir trabalhar com cólicas de revirar os olhos maquiados, mas tendo de manter a carinha bonitinha e o batom dentro do contorno da boca. É ter de pegar o ônibus lotado e o metrô idem, com sacola da academia e bolsa no ombro e passar todo o trajeto em pé. E ainda olhar para a cara daquelas pessoas não tão velhas ou muito jovens que estão ali sentadas e não se oferecem nem pra segurar sua bolsa.

Ser mulher é andar na rua ouvindo cantadas impronunciáveis, muitas vezes de fazer o rosto corar e querer entrar no primeiro bueiro. Mas isso ainda é melhor do que levar uma passada de mão no bumbum ou, muito pior, nos peitos. Isso sim é horrível! Gostaria de saber se algum homem já levou uma passada de mão no bumbum ou nos peitos. E mesmo que isso já tenha acontecido, duvido que seja tão ultrajante quanto é para uma mulher. Uma mulher como eu, que cresceu sendo educada para ser educada, gentil. É, as coisas mudaram há muito tempo e eu não me adaptei.

Ser mulher é chegar no trabalho, subindo pelas escadas para manter as pernas em forma, sem poder derrubar uma gota de suor, senão fica feio. É ter de chegar de cara bonita mesmo depois de ter virado o pé nas calçadas esburacadas de São Paulo.

Ser mulher é ter de usar o tempo do escritório pra pagar as contas, resolver horários no médico, imprevistos com contratos de prestação de serviços. É ter de trabalhar sorrindo, porque o contrário quer dizer que você não está bem, apesar de estar apenas concentrada. É, antes de mais nada, cumprir com seu trabalho, nunca deixar acumular, nunca deixar que reclamem.

Ser mulher é não poder correr o risco de chegar tarde sozinha em casa. “Alvo fácil”, diz a polícia. Mas onde está a polícia que nunca passa na rua em que moro quando estou chegando? Só passa pela manhã. Grande feito!

Ser mulher é ter de ouvir que “se você não foi mãe, se não gerou um filho, não sabe o que é ser mulher!”

Apesar das contradições, não troco a minha posição. Posso me mimar comprando um simples brinco, uma bijouteria qualquer. Posso ter 50 pares de sapato no garda-roupas, mesmo não cabendo. Posso ter calças, blusas e vestidos de todas as cores e ir em festas sem repetir as roupas. Posso usar vestido de alcinha no calor, posso usar chinelo de dedo! E posso fazer isso no trabalho! E mesmo com cólica, se for um dia tranqüilo, estou satisfeita.

Ser mulher é mesmo uma dádiva. E minha melhor companhia sou eu mesma.

Na próxima venho mulher de novo.

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